Meu interesse pela Inclusão e, principalmente, pela Dislexia surgiu a partir uma experiência que me foi muito marcante: o aparecimento de um aluno em um curso, localizado em Niterói (RJ), onde trabalhei por muitos anos como professora particular para complementação da minha renda como docente escolar. Em 2011, ele ainda era estudante do ensino fundamental II e tinha, aproximadamente, 12 anos de idade. Na época, por meio de seus relatos, percebia que havia muita exclusão e muita dor em relação ao seu processo de escolarização, e isso ficava ainda mais evidente quando os personagens de suas narrativas eram professores e orientadores educacionais. Ele narrava frequentemente sua vivência diária em uma escola que o fazia repetir que um aluno “ruim” não deveria permanecer em escolas de crianças “boas”. Assim, surgiu meu interesse em buscar jovens universitários que pudessem contribuir, a partir de seus relatos de experiência, com propostas para amenizar embates interpessoais e impactos emocionais gerados no ambiente institucional escolar. A participação de jovens que já tivessem ultrapassado as dificuldades da infância poderia auxiliar aqueles que ainda estavam dentro do processo de escolarização básica. Somado a isso, atuava como professora de redação de ensino básico em outras escolas privadas da cidade e percebia uma imensa dificuldade de as instituições de ensino atuarem, em parceria com as famílias, em casos similares, ou seja, tinham dificuldades e não faziam movimentos para inclusão de crianças com diferentes perfis em suas rotinas institucionais. Estudar e analisar as identidades construídas na elaboração de narrativas de jovens universitários com dislexia, tendo como base estudos referentes ao discurso interacional, no processo de mestrado, me proporcionou uma visão mais reflexiva não apenas sobre as avaliações que projetamos nas entrevistas de pesquisa, mas também um olhar mais focado às interações e às ações realizadas pelos participantes, sobre as posturas e as condutas assumidas por cada um deles, ressaltando como é importante a construção de um pensamento mais aprofundado sobre as identidades/subjetividades que, cotidianamente, são estigmatizadas e são menosprezadas em contextos escolares onde as diversificadas formas de ser se fazem como desafio à possibilidade de aprendizagem em espaços pedagógicos. A pesquisa do mestrado, de certa forma, me fez mais atenta também às vozes que circulavam nas esferas escolares quando a dislexia eram eleita como tópico principal entre professores, coordenadores e orientadores educacionais. Sempre que um aluno com esse diagnóstico era tema em conselhos de classe, por exemplo, eu tentava articular um meio para que as vozes dos universitários com dislexia fossem ecoadas. Era, muitas vezes, vencida pela frustração, pelo embate ou pelo silêncio, visto que muitos desses profissionais apresentavam “visão pronta” sobre a temática – sem ao menos conhecê-la. Em conflito com as famílias, ora apontavam que elas somente desejavam proteger crianças de processos comuns à escolarização tradicional: provas, exercícios, trabalhos, cópias - ora afirmavam que determinadas instituições de ensino “não são lugar para crianças com distúrbio de aprendizagem” e que “professores são pagos para darem aulas, não para entenderem sobre transtornos de aprendizado”. Entre professores e famílias, observava que a orientadora educacional tentava equilibrar forças, muitas vezes, sem conhecer como o aluno vivenciava a sala de aula e quais eram, realmente, suas necessidades enquanto estudante. Assim, surgiu minha percepção de que - entre o professor que trabalha, diretamente, com a criança ou o adolescente, o orientador que precisa mediar a relação entre família e escola e os pais que lutam pelos direitos de filhas/filhos - há uma enorme diferença de visão acerca da dislexia, do aluno, do papel da escola/família e da forma como cada um deles age (ou deveria) em prol do disléxico em questão. Esse choque, ao contrário de enriquecer, muitas vezes, trouxe/traz prejuízos extremamente complexos. Era nítido que os principais grupos responsáveis por discentes disléxicos, ao invés de, por meio da união, driblarem dificuldades, simplesmente, acirravam um processo de polarização – também a partir dos desafios impostos e de seus próprios conflitos. Com essa percepção, ingressei em uma escola tradicional na minha cidade para gerar dados que compusessem corpus para investigação sobre a temática envolvendo famílias e educadores. Minha busca inicial era gravar reuniões com as orientadoras, minicursos com os professores e encontros entre mães/pais e educadores. Tive respostas positivas para os primeiros movimentos. O acesso às famílias, no entanto, foi dificultado, uma vez que a instituição temia a exposição dos alunos e de suas respectivas famílias. Decidimos, então, elaborar um projeto de formação pedagógica voltada à dislexia no contraturno das aulas. Tal projeto permitiu diálogo aberto e produtivo com os profissionais de ensino, potencializando meu antigo desejo de desenvolver um projeto social voltado ao tema, que, infelizmente, foi interrompido pela pandemia em março de 2020. Voltei com o projeto após a pandemia e sigo estudando, de forma online, após fim do doutorado com Mães que lutam pela inclusão de crianças com dislexia.