Sim. Na escola onde trabalho como Coordenador Pedagógico, na cidade de São Paulo, há varias crianças com TEA, em diferentes níveis de comprometimento neuropsicomotor. Percebo que as dificuldades são abrangentes, adquirindo contornos específicos em cada caso.
Um dos nossos estudantes com diagnóstico de TEA está, atualmente, matriculado no quinto ano do Ensino Fundamental. Chamarei essa criança de "A", para assegurar seu anonimato. "A" chegou à escola em meados do ano passado (2022), após o início do ano letivo, apresentando situação de intensa vulnerabilidade. Ele e a mãe vieram migrantes do Maranhão, em contexto de extrema pobreza, vítimas de abandono paterno e de amplas iniquidades socioeconômicas. A criança estava com dez anos de idade e só havia frequentado a escola no Maranhão durante poucos dias, pois, segundo a mãe, a instituição não reunia condições de atender as necessidades do filho. A mãe, uma senhora de aproximadamente 40 anos, possui feição de enorme sofrimento e desilusão, aparentando ser muito mais velha do que de fato é. Não é alfabetizada e desconhece muitos dos aspectos relacionados à dimensão da garantia dos direitos humanos dela e do filho. Nesse cenário, "A" chegou à escola em São Paulo sem qualquer documentação, sendo matriculado no 4º ano do Ens. Fund. a partir do critério etário.
Ao longo dos primeiros meses, as dificuldades foram desesperadoras. À época, a escola não tinha estagiários de apoio à educação especial (felizmente, hoje nós possuímos), não havia recursos humanos e materiais suficientes para atender a gravidade dos sintomas do aluno. "A" andava poucos passos e já tropeçava e caía, de forma que, sem o acompanhamento permanente de um adulto, podia se machucar a todo momento. "A" se alimentava utilizando as mãos. Levava à boca todos os objetos que estavam ao seu alcance. Não falava uma palavra sequer, mas emitia sons específicos incompreensíveis. A impressão era a de que não existia nenhuma interação típica do aluno com o mundo externo, que ele de fato vivia isolado em si mesmo. Os meses que se sucederam ao longo de 2022 foram demasiado desafiadores. Nós fazíamos tudo o que era possível. Fazíamos o melhor que podíamos! Mas sentíamos que faltava um mundo de coisas! "A" era uma criança muito debilitada, que não se comunicava de forma convencional, não possuía autonomia nenhuma para andar, para se alimentar, para usar o banheiro... Acionamos a rede de apoio, o Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão – CEFAI da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, o CAPS - Centro de Atenção Psicossocial, a UBS - Unidade Básica de Saúde, a Assistência Social e tudo mais que pudesse nos ajudar.
Foi somente a partir do início do presente ano letivo (2023), em que "A" já se encontrava matriculado no quinto ano, que nossa escola conseguiu um pouco mais de suporte técnico especializado. Recebemos três estagiários da área de educação especial para o suporte aos nossos mais de 30 casos de estudantes com deficiência (os estagiários são alunos de pedagogia e licenciaturas, sem formação específica na área da inclusão, mas que representa um grande apoio para nós; é uma quantidade insuficiente, mas certamente de grande valia!!). Conseguimos levar para a escola alguns processos formativos, em parceria com o CEFAI. Encaminhamos "A" para instituições da rede protetiva, a fim de que tivesse acesso às terapias necessárias (infelizmente, "A" ainda não conseguiu um real atendimento multidisciplinar, apenas comparece a consultas médicas espaçadas, havendo mínima integração entre as terapias; porém, ainda assim, participa dos tratamentos - algo que, durante dez anos, não se efetivara em nenhuma medida no seu estado natal).
Atualmente, "A" já tem mais autonomia para locomoção. Apesar de precisar de apoio permanente de um adulto, consegue andar sem cair constantemente e, até mesmo, acessar alguns brinquedos do parque da escola. "A" interage com alguns recursos lúdicos, como estruturas de madeira e blocos de montar. A coordenação motora, portanto, melhorou muito. Continua necessitando de suporte integral para alimentação e as necessidades fisiológicas, pois faz uso de fraldas. Quando chegou à escola, "A" não era capaz de permanecer uma hora e meia sequer na instituição, dado o seu grau de comprometimento neuropsicomotor. Hoje, ele permanece em média três horas por dia, que é o tempo que consegue se manter bem no espaço escolar. Ademais, duas vezes por semana, participa da Sala de Recursos Multifuncionais - SRM, no contraturno, o que está contribuindo sobremaneira com o desenvolvimento da criança. Outro ponto de apoio diz respeito ao papel desempenhado pelas duas AVEs (Auxiliares de Vida Escolar) que nós recebemos na Unidade, as quais desempenham funções relacionadas à alimentação, locomoção e higienização dos estudantes que assim precisam de tais cuidados.
Em 2024, "A" será matriculado no 6º ano. Haverá mudanças significativas: elevação do número de professores, horários diferenciados, outros profissionais de apoio... Enfim, será um novo capítulo nessa história, mas sabemos que "A" deve ter os seus direitos e a sua dignidade humana garantidos de forma integral. Provavelmente, não será possível "A" desenvolver as habilidades convencionais de comunicação verbal e escrita, os conteúdos acadêmicos tradicionais ou coisas do tipo. Mas, com certeza, "A" será cada vez mais autônomo, mais bem atendido, mais bem acolhido, sempre respeitado, amado e valorizado. Este é um dever ético e moral inegociável. Nós precisamos fazer sempre o melhor por "A" e por todos os alunos com deficiência ou transtornos do desenvolvimento, numa perspectiva empática, inclusiva e humana em todos os sentidos.